quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Os comboios que tanto amamos; por Fernando Nunes

Transcrevo um Excelente artigo da Autoria de Fernando Nunes....

Nada Mais tenho a Acrescentar às suas Palavras;Elas refletem perfeitamente a forma de pensar do político português, seja ele de que côr for.

Para Pensar

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Não se percebe como é que se chegou aqui mas é difícil suportar a incúria, o desleixo e o maltrato a que chegaram muitas das linhas de caminho de ferro e os transportes ferroviários portugueses. Se exceptuarmos os comboios que fazem Porto-Lisboa e vice-versa, ou aqueles que cobrem as suas áreas metropolitanas, o resto dos comboios portugueses está a morrer ou à espera da estocada final, no meio do abandono e do desinteresse. O senhor político não se apercebe porque viaja de carro e quando viaja de comboio escolhe a primeira classe com auscultadores e vídeo, muitas vezes para escutar em estéreo os benefícios de viajar em primeira classe. A verdade é que existem linhas ou estações que são desactivadas, há comboios que desaparecem para sempre de circulação. A agravar a situação há ainda uma vaga de "graffiteiros" que, sem dó nem piedade, borra as estações, pinta o interior e o exterior de comboios com um mau gosto capaz de envergonhar os melhores artistas de rua. E se antes existia uma paisagem para espreitar e reconhecer, em muitos comboios há agora autógrafos e um fundo negro perturbador, impeditivo da fruição de qualquer viagem, longa ou curta. Será que alguém poderá explicar porque é que isto acontece?

Este artigo não visa somente lançar um libelo acusatório por causa das linhas desactivadas e desaparecidas ou justificado pela lentidão perpétua dos comboios. Mas, porque silenciar o que está a acontecer é uma forma de censura, expressar uma certa indignação por aquilo emque a consciência sócio-política deste país transformou o transporte ferroviário dos nossos dias: um meio de transporte usado quase exclusivamente pelos indigentes e os marginais. Não se sabe muito bem quando começou a desvalorização do comboio como meio de transporte de qualidade, mas o que espanta é que nem mesmo a "guerra civil" que hoje se vive nas estradas portuguesas serviu para alterar a situação da grande maioria das linhas portuguesas. Bastaria renovar muitas dos comboios da CP, incentivar e valorizar todo o património das estações que agora são pertença da Refer, modernizar os comboios, melhorar a excepcional linha que vai do Porto ao Pocinho, criar uma ou várias ligações entre o Porto e Viana, reactivar muitas das linhas do Alto Minho, do Alentejo, de Trás os Montes, etc. Um trabalho hercúleo, é certo, num país em que cada vez menos se anda de comboio. E que desconhece que na Holanda a situação era idêntica, não parando hoje de aumentar o número de utilizadores.

O comboio, para que se saiba, é ainda o único meio de transporte que proporciona agradáveis leituras de jornais, livros e revistas, conversas curtas e demoradas, silêncios necessários ou encontros fortuitos entre gente de vários credos e cores. Ou, muito simplesmente, viagens úteis e necessárias. E tudo isto numa altura em que se reconhece que há pessoas que cultivam verdadeiras paixões por comboios ou que existe quem viaje milhares de quilómetros exclusivamente para ver, ouvir, tocar e fotografar os comboios históricos deste país. Ou para ver "in loco" uma linha de caminho de ferro famosa, como é o caso das linhas portuguesas que são conhecidas em toda a Europa pelos seus percursos, bonitos e sinuosos. Sabiam também que há quem saiba imitar o som de uma locomotiva a vapor ou a diesel e quem coleccione bilhetes de comboio e não se importe sequer de vasculhar os caixotes de lixo das estações para os apanhar? Ou que há por aí gente que faz viagens de bloco de notas na mão, apontando todos os pormenores sobre os comboios, as carruagens, a hora de paragem nas estações?

Os comboios, tal como acontecia na infância da maioria de nós, ainda andam e apitam. E, além disso, raramente descarrilam!

Mar.02

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